D. Tereza - Você sabe que o meu sobrinho já escreve o nome dele todo,
e todo dia ele faz trabalhinho de dever de casa?
D. Margarida – Ah! essa escola é boa,
vai fazer esse menino ser muito inteligente!
É comum diálogos como esse entre responsáveis de crianças que estão frequentado escolas de educação infantil. Como existem escolas com propostas sócio-interacionistas que trabalham o aprendizado através do construtivismo, isso gera muitas dúvidas em pais alfabetizados pelo método tradicional. Ao mesmo tempo, paralelamente, ainda existem algumas escolas que reproduzem métodos antigos, como por exemplo a escola representada no diálogo acima.
Afinal qual a função de um centro de educação infantil (creche e pré-escola)? Devemos pensar em aproveitar a infância das crianças para treiná-las para o futuro? Preparando-as para serem integradas no ensino fundamental? Como fazer que as crianças sejam cidadãs criativas e reflexivas dominando a língua escrita e capazes de compreender os códigos e instrumentos de nossa cultura? De acordo com a definição de Magda Soares (1998) existem diferenças entre alfabetização e letramento:
alfabetizar e letrar são duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita. p. 47.
E assim a autora continua destacando que o primeiro termo, alfabetização, corresponderia ao processo pelo qual se adquire uma tecnologia – a escrita alfabética e as habilidades de utilizá-la para ler e escrever. Para adquirir tal tecnologia é importante compreender o funcionamento do alfabeto, memorizar as convenções letra-som e dominar o seu traçado, usando instrumentos como lápis, papel ou outros que os substituam.
Enquanto que letramento relaciona-se ao exercício efetivo e competente daquela tecnologia da escrita, nas situações em que precisamos ler e produzir textos reais. É o exercício efetivo e competente da tecnologia da escrita.
Portanto, aquisição dos dois processos não devem ser feitas separadamente, eis aqui o grande dilema que reflete as diferenças entre os métodos utilizados em diferentes escolas. Escolas que apresentam uma proposta baseada em concepções sócio-interacionistas procuram desenvolver um processo em que a aquisição da língua escrita, não se resuma apenas a escrita de letras.
Vygotsky (in Mello,2005), importante pesquisador russo, destaca diretrizes para que a escrita se torne um instrumento de expressão e conhecimento do mundo para uma criança leitora e produtora de textos:
- que o ensino da escrita se apresente de modo que a criança sinta necessidade dela.
- que a escrita seja apresentada não como um ato motor, mas como uma atividade cultural complexa,
- que a necessidade de aprender e escrever seja natural, da mesma forma como a necessidade de falar,
- que ensinemos à criança a linguagem escrita e não as letras.
Costumo dizer que obrigar as crianças a copiar letras sem oferecê-las o significado, além de ser uma atividade sem sentido, representa para a criança em muitas ocasiões adestramento - “só sai daí quando acabar de copiar!” - com esse tipo de atitude ela aprende que o mais importante é aprender a obedecer não importa para que finalidade.
Um outro ponto importante que deve ser destacado é a respeito de quando iniciar esse processo. Segundo Mello (2005) “Vygotsky defenderia o letramento para as crianças até 6 anos, e para as crianças entre 6 e 10 anos a alfabetização com letramento”. (p.40)
Mas, surgem novas angustias, “será que meu filho estará preparado para o ensino fundamental frequentando uma escola que favorece o brincar como atividade principal?”
O letramento deve ser pensado como uma atividade que exige que a criança seja inserida em um processo cultural, em que ela domine símbolos e instrumentos de nossa sociedade, nesse sentido, não precisamos temer atrasos hipotéticos em crianças que tenham brincado bastante durante o processo de aquisição da escrita, pois possivelmente são crianças que pensam, tiveram a oportunidade de participar ativamente desse processo, ter suas ideias respeitadas e valorizadas e acreditam em si mesmas, como produtoras de conhecimento.
O brincar é uma atividade humana que por si mesma representa experiências associadas a nossa cultura, pois os brinquedos são objetos que imitam criações do homem na produção de instrumentos cotidianos como: ferro de passar, telefone, panela, fogão, carro, boneca e tantos outros.
Brincando as crianças podem representar papéis sociais e ações que na vida real não poderiam fazer, como fazer comida ou dirigir um carro. Esses são exemplos de atividades imaginárias baseadas em experiências reais que ajudam a criança a realizar pequenos ensaios sobre a realidade. Aproveitando o destaque de Borba, (2006) acho importante que façamos algumas perguntas para nós mesmos:
Como podemos compreender a criança nas suas formas próprias de ser, pensar e agir? Como vê-la como alguém que inquieta o nosso olhar, desloca nossos saberes e nos ajuda a enxergar o mundo e a nós mesmos? Como podemos ajudar a criança a se constituir como sujeito no mundo? De que forma a compreensão sobre o significado do brincar na vida e na constituição dos sujeitos situa o papel dos adultos e da escola na relação com as crianças e os adolescentes? p. 34
Para finalizar esse primeiro tema é importante destacar que pesquisas realizadas em diversos países demonstram que meninos e meninas que desde cedo escutam histórias lidas e/ou contadas por adultos, ou que brincam de ler e escrever (quando ainda não dominam o sistema de escrita alfabetizada), adquirem um conhecimento sobre a linguagem escrita e sobre os usos dos diferentes gêneros textuais, antes mesmo de estarem alfabetizadas.
Adelaide Rezende de Souza, Psicóloga na creche-escola Ladybug
Professora da Universidade Estácio de Sá, psicóloga (pela UFPA), especializada em saúde mental e desenvolvimento infantil e do adolescente (SCMRJ), com mestrado em psicologia e teoria do comportamento (UFPA) sua dissertação teve como título: “Resoluções de conflitos entre crianças através de brincadeiras de rua”. Ministra cursos sobre jogos e brinquedotecas. Consultora de instituições de educação infantil.
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