“Birras, Choros e Manhas: como posso tratar esses comportamentos do meu filho?”
Essas são perguntas frequentes que chegam a mim, quando estou conversando individualmente ou em grupo com pais de crianças na faixa etária de 0 a 5 anos.Estamos falando de formas de construção de limites diante de situações mais tensas correspondentes a uma fase em que a criança começa a se opor a vontade dos adultos que representam autoridade, muitas vezes fazendo birras e choros sem motivo aparente.
As perguntas dos pais envolvem as dificuldades de lidar com a situação e as relações que fazem tentando compreender o que acontece, tais como: - Será que aconteceu algo aqui na creche para que meu filho esteja apresentando resistência para entrar? - Será que eu deveria ter amamentado mais tempo? - Será que estou muito tempo ausente? - O que faço quando minha filha não quer me obedecer?
Ao investigar com os pais mais detalhes das queixas iniciais que provocaram o nosso encontro, após algumas perguntas comecei a perceber que a questão era a mesma: “personalismo”, segundo Henry Wallon é a fase em que a criança inicia a descoberta que ela é uma "persona" e passa a testar os limites e possibilidades de até onde pode ir.
É somente no Estágio do Personalismo, que vai dos três aos cinco anos, que a criança realmente se diferencia do outro, que toma consciência de sua autonomia em relação aos demais. Ela percebe as relações e os papéis diferentes dentro do universo familiar, ao mesmo tempo que se percebe como um elemento fixo, como ser o filho mais velho ou o mais novo, ser filho e irmão, assim por diante.
Uma vez tendo descrito algumas características desse período é importante voltarmos ao título inicial desse encontro “A Construção da Personalidade da Criança”. O que podemos chamar de personalidade? Pois, o senso comum trata esse tema como algo fixo, um conjunto de características prontas, que muitas vezes estão associadas a fatores genéticos e hereditários que pertencem ao indivíduo antes de nascer.
Estou tratando personalidade com o foco em algo que se constrói ao longo da vida de um indivíduo. Assim, a ênfase é para a integração – entre organismo e meio e entre as dimensões: cognitiva, afetiva, e motora na constituição da pessoa. A pessoa é vista como o conjunto funcional resultante da integração de suas dimensões, cujo desenvolvimento se dá na integração de seu aparato orgânico com o meio, predominantemente o social.
É importante pensar a partir dessa ideia que o desenvolvimento humano não é linear, poderá apresentar conflitos e turbulências que refletem a busca por uma constituição singular a partir de uma cultura e de um contexto familiar e escolar especifico.
As formas como as relações sociais irão se estabelecer serão fundamentais para a construção de laços afetivos importantes refletindo maneiras de expressar as emoções. As interações entre adultos e crianças irão refletir a intensidade desses momentos.
...As emoções, são a exteriorização da afetividade(....) Nelas que assentam os exercícios gregários, que são uma forma primitiva de comunhão e de comunidade. As relações que elas tornam possíveis afinam os seus meios de expressão, e fazem deles instrumentos de sociabilidade cada vez mais especializados. (Wallon, 1995, p. 143)
Conduzir os conflitos infantis com calma e paciência, nesse período é essencial e dever do adulto, pois a descoberta de expressões pela criança é um direito dela, pois ainda está buscando sua integração com esse mundo com características culturais próprias e emoções que surgem e provocam comportamentos que ainda tentam compreender como lhe dar. O carinho e a compreensão são aspectos fundamentais desse momento, pois poderão refletir as formas que a criança irá aprender a reagir a situações semelhantes de desconforto diante dos conflitos interpessoais. Além de marcar características importantes que constituem as relações entre pais e filhos.
É esperado um maior equilíbrio emocional do adulto, pois deverá ser ele o condutor de soluções mais inteligentes e adequadas que não agridam e prejudiquem o relacionamento.
Sei que este é um momento delicado e que nem sempre estamos com a lucidez necessária. É importante compreendermos que no processo de educar os filhos não existe perfeição, mas ao mesmo tempo é importante ressaltar o comprometimento verdadeiro, pois educar é um processo longo, continuo e constante em que a qualidade dos pequenos momentos, refletirá o desejo do adulto de estar nesse lugar.
Finalizo ressaltando que toda criança se constitui como sujeito a partir do olhar de alguém, seja ele, de amor, compreensão e carinho, ou, raiva, ausência e impaciência. Serão olhares diferentes, que constituirão sujeitos diferentes. A responsabilidade de cada um é grande e muitas vezes, se não for bem conduzida poderá produzir marcas irreversíveis.
Cada momento da vida apresenta necessidades específicas, mas a necessidade de amor e compreensão é de todos os seres humanos ao longo de toda a vida.
REFERÊNCIAS
WALLON, Henri, (1975). Psicologia e Educação da Infância. Lisboa: Estampa.
Adelaide Rezende Psicóloga, Mestra em psicologia e especialista em Saúde Mental e Desenvolvimento Infantil e do Adolescente. Atualmente é professora titular do curso de Pedagogia da Universidade Estácio de Sá. Pesquisadora do ILTC desde 2009 (Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência). Psicóloga - Creche Escola Ladybug. Coordenadora do projeto Brinquedoteca: espaço de formação, pesquisa e extensão (UNESA). Coordena Oficinas de Atividades Lúdicas em escolas da rede municipal do RJ (projeto segundo turno cultural - Secretaria de Cultura/ILTC). 3
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