Por Adelaide Rezende de Souza
As fantasias e necessidades de cada criança são delas mesmas, ainda que as dividam com milhões de outras crianças. Quando sobrecarregamos essas necessidades com nossas próprias ansiedades, fazemos com que as crianças se sintam confusas e assustadas a respeito de seus próprios sentimentos. (Gerard Jones)
Normalmente, ficamos muito assustados quando as crianças dizem frases como “vou te matar” ou batem em um amigo aparentemente sem nenhuma compaixão. Nosso senso de justiça rapidamente nos impulsiona a agir rapidamente inibindo a ação.
Na verdade esse texto nos convida a dialogar a respeito do tema a partir de outra perspectiva, uma forma de ver determinadas atitudes das crianças com um olhar mais próximo da infância e um pouco mais distante da lógica adulta. Pensar a fantasia, mesmo a violenta, como necessária inclusive para a criança experimentar os limites do faz de conta e da realidade
Não quero dizer com isso que devemos deixar as crianças baterem umas nas outras sem nenhuma intervenção, esse não é o caso da nossa cultura. Apesar de que em algumas culturas essa prática ocorre no sentido de educa-las a lidar com seus impulsos agressivos.
Em primeiro lugar a questão é não pensarmos a infância e todas as brincadeiras das crianças como preparação para a fase adulta, infância é um tempo em si mesmo em que surgirão ações e reações especificas desse tempo da vida, é necessário olha-lo no presente.
Em segundo lugar não podemos negar o impulso agressivo como uma das características humanas. Quem de nós em algum momento da infância não machucou alguém, ou sentiu prazer ao brincar de luta ou de guerra? Sem que necessariamente tenha se tornado um guerrilheiro, ou um atirador. A agressividade é necessária inclusive para que possamos enfrentar os obstáculos diários, pois nos impulsiona a reagir e batalhar pelo que se quer indo à busca de soluções. Precisamos tomar cuidado para não apagar ou reprimir demais essas características nas crianças.
Em terceiro lugar parece que precisamos reaprender com as crianças os limites da fantasia e da realidade. Como afirma JONES (2004):
Para que as crianças possam usar suas brincadeiras fantasiosas a fim de dominar seus medos, precisam enxerga-las como fantasias completas. Para ajuda-las a diferenciar fantasia e realidade, às vezes é preciso que nós mesmos aprendamos um pouco a respeito dessa diferença. P 123.
Ao afirmarmos que uma criança não deve brincar de revolver ou de espada, pois se tornará um adulto violento, quem está sendo fantasioso, nós, adultos ou a criança? Pois, para ela tudo é brincadeira, enquanto que para os adultos é uma projeção futurista de um momento que não é real.
Vygotsky (1998) classificou a brincadeira como faz de conta e jogos com regras, afirmando que o faz de conta contem regras implícitas na cultura enquanto que os jogos com regras contem faz de conta implícito.
A nossa cultura possui instrumentos tecnológicos como vídeo games, televisão e outros jogos eletrônicos que apresentam situações de violência que vão desde o jogo de BULLY (proibido no Brasil) até o “simples e ingênuo Pica Pau” em que a temática expressa claramente uma disputa agressiva. As cenas costumam embalar a atenção das crianças, muitas vezes com mais facilidade do que a melhor das intenções dos pais.
A questão é porque isso acontece dessa forma? Quais as razões para que as crianças se divirtam ao assistir cenas em que um está subjugando, ou machucando o outro? O que motiva esse prazer?
Para responder a essas questões é importante olharmos para nós mesmos, para nossas lembranças de infância, assim compreenderemos melhor que algumas preferências ou reações agressivas das crianças não necessariamente são projeções de um futuro nefasto e agressivo.
A violência do entretenimento compreende bem mais do que as fantasias de super-heróis do início da vida. Ela assume formas mais problemáticas e representa papéis mais complexos. Mas, no fundo, tem a ver com a satisfação de se sentir grande e forte, com a liberdade de ser capaz de sobreviver a qualquer coisa e superar qualquer obstáculo. Tem a ver com ação, poder e controle sobre a vida. (JONES, 2004, P 83.).
Existem outras emoções que não estão apenas relacionadas à raiva e que estimulam e provocam atitudes, preferências por personagens agressivos, ou situações repetitivas de faz de conta com temáticas violentas e que não são nocivas ao desenvolvimento.
Algumas vezes inclusive a permissividade de que essas situações aconteçam são necessárias para a constituição de um ser saudável. Muitas frustrações são resolvidas quando uma criança pode brincar de viver papéis diferentes dos que normalmente vive na realidade.
Quando por exemplo uma criança é proibida de fazer algo pelos pais ou leva uma enorme bronca por ter feito algo considerado errado, na brincadeira ela pode inverter os papéis e expressar sentimentos opostos ao que experimentou, enquanto viveu a situação. Oportunidades como essa ajudam a criança a elaborar suas emoções.
Um aspecto fundamental para o desenvolvimento infantil é a conexão emocional que a criança pode fazer entre a fantasia e a maneira pela qual a trabalha, através da brincadeira e da imaginação dentro da sua vida emocional.
Finalmente, é importante afirmar que brincar com o ódio é uma maneira valiosa de reduzir seu poder. Ser mau e destrutivo na imaginação é uma compensação vital para a loucura a que todos nós precisamos nos submeter se quisermos ser uma pessoa boa.
Aceitar as crianças como elas são é a expressão mais verdadeira do amor sincero, e isso exige acompanhar, orientar e muitas vezes compreender, estabelecendo limites saudáveis de forma tolerável as crianças pequenas. Atitudes descontroladas movidas pela raiva de um adulto produzem mais angustia e comportamentos violentos nas crianças, ou uma excessiva passividade que irá dificulta-la ao longo de seu desenvolvimento.
É importante não esquecer que educar é um processo constante e contínuo, longo e árduo, é necessário o desejo real de estar nesse lugar.
Adelaide Rezende de Souza
Professora da Universidade Estácio de Sá (graduação e pós-graduação), psicóloga (UFPA), especializada em saúde mental e desenvolvimento infantil e do adolescente (SCMRJ), com mestrado em psicologia e teoria do comportamento UFPA), ), pesquisadora do ILTC, Psicóloga da Creche Ladybug e consultora de creches. Ministra cursos na área da infância e do brincar., coordenadora do projeto Brinquedoteca - estudo, pesquisa, arte, educação e cultura. Atualmente, coordena oficinas de atividades lúdicas em oito escolas da rede municipal do Rio de Janeiro parte integrante doprojeto segundo turno cultural da Secretaria de Cultura do Município do Rio de Janeiro.
REFERÊNCIAJONES, Gerard. Brincando de matar monstros: porque as crianças precisam de fantasias, vídeogames, e violência de faz de conta. São Paulo: Conrad, 2004
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