Meu irmãozinho acabou de nascer! E agora o que vou fazer?
Por Adelaide Rezende de Souza
“Voltou para a mamadeira, não aceita mais nada. Diz a médica pra gente ter paciência, que não é manha. Mas às vezes fico tão enlouquecida que minha maior vontade é de dar uns tapas nele."
O ciúme quando nasce o irmãozinho é o sentimento mais natural do mundo. Com muito jeito, paciência e algumas estratégias é possível superar essa fase e continuar oferecendo segurança e a certeza de seu amor pela criança.
Nos primeiros anos quando pequenos, os filhos geralmente, demonstram comportamentos vulneráveis e dependentes. Eles aprendem a depender dos adultos que os rodeiam e nos primeiros anos concentram-se em maneiras de fazer com que os adultos satisfaçam suas necessidades. Miller (2008) destacou algumas características importantes do pensamento egocêntrico infantil:
As crianças pequenas são egocêntricas. O termo “egocentrismo” não tem a mesma conotação negativa que possui quando se aplica aos adultos, dignificando que a pessoa é egoísta e não tem consideração. Com as crianças pequenas, o egocentrismo é natural e compreensível. Quando chegam ao mundo, elas apenas conhecem suas sensações corporais. Seu mundo se amplia gradualmente para abranger o mundo das pessoas que cuidam delas. Os pequenos ainda não tiveram tempo vivendo no planeta para considerar que outras pessoas possam ter sentimentos independentes dos seus. P. 305.
Portanto, uma vez compreendido os aspectos acima, é possível compreender como o nascimento do irmão menor é fonte de ameaça e insegurança, pois a necessidade de ter as atenções todas voltadas para si é fundamental para elas e torna-se imprescindível, nesse momento.
É importante lembrar que as crianças precisam expressar seus sentimentos, suas frustrações e seus temores, contudo, é mais provável que usem ações em vez de palavras para se expressarem. Pois, ainda não dominam totalmente a linguagem oral.
Portanto, será bem comum apresentarem comportamentos que possam significar retrocessos em relação aos comportamentos já conquistados, tais como: vontade de voltar a usar fralda, chupeta, dormir com os pais entre outros.
O olhar sensível e carinhoso de um adulto confiável pode ter um impacto muito positivo na maneira como as crianças lidam com seus problemas, e talvez essa orientação, seja um dos aspectos mais difíceis para um adulto que normalmente ficará irritado com as variadas manifestações de birra que a criança poderá fazer.
Vale ressaltar, que a expectativa inicial do filho mais velho é que viria mais uma criança que seria a companheira do brincar, porém aparece aquele “pequeno ser” que ainda não interage de forma competente para se fazer presente para o irmão maior, frustrando assim suas esperanças de nova companhia.
E além da incompetência para brincar, ainda por cima rouba a atenção da mãe que precisa cuidar quase que o tempo inteiro dessa nova criatura, que já chega ocupando um grande lugar jamais previsto pelo irmão maior.
É essencial que haja sensibilidade e flexibilidade dos adultos, os elogios aos comportamentos adequados, ajudarão na auto-estima da criança, aumentando a segurança e a certeza de que é amada. A partir de bons exemplos as crianças aprendem bondade, empatia, entendimento e ampliam o vocabulário sobre sentimentos.
Tenha cuidado para não rotular e nem culpar a criança, aumentando assim sua insegurança e mal estar. Lembre-se que as crianças nessa fase não elaboram previamente suas ações no sentido de fazer planos maldosos e armadilhas, elas apenas agem e reagem. A interferência positiva dos adultos fará a grande diferença, pois elas ainda são maleáveis e abertas.
É possível que haja momentos verdadeiramente difíceis e que os adultos sintam-se sobrecarregados, podendo ser um dos fatores que causam esgotamento. Caso isso aconteça tente conversar com outras pessoas mais próximas, ou pedir apoio a escola, quando diversas pessoas olham juntas, podem refletir e talvez produzir mais ideias e estratégias.
Apesar disso, é importante reconhecer que os pais conhecem seus filhos melhor do que qualquer um. São os especialistas naquela criança especifica, portanto, esse pode parecer um momento difícil, mas é passageiro, e poderá apresentar soluções mais rápidas caso os pais empenhem-se em buscar soluções inteligentes e menos emotivas, no calor dos sentimentos nem sempre surgem as melhores soluções. Quando descobrir um método específico para identificar e analisar o problema e trabalhar sistematicamente para resolvê-lo, a sobrecarga diminui.
Nesse momento é necessário dizer para si mesmo “isso é o melhor que posso fazer”, e você tem a certeza que está fazendo uma tentativa sincera de ajudar a criança, por amor e vontade de que ela fique bem.
Tente observar quais são os precedentes que costumam levar a criança a perder o controle, como é a dinâmica familiar, procure explicações para o comportamento dela, tentando se colocar no seu lugar. Então com calma e respeito, ajude a criança a sentir a satisfação de encontrar uma forma melhor de expressar seus sentimentos, tentando alcançar o objetivo de identificar o que está sentindo. É fundamental que pais e filhos aprendam a ser amigos e usem as palavras para resolver seus problemas.
Outro aspecto do pensamento egocêntrico, muito comum é a percepção da criança de que todos os eventos acontecem por causa dela. Uma criança pequena enxerga uma situação a partir de sua perspectiva imediata. Elas têm dificuldades para pensar sobre os eventos que causaram uma situação, ou o que pode acontecer no futuro por causa dela. A compreensão de relações de causa e efeito exige pensamento abstrato e as crianças pequenas ainda estão em um modo muito concreto.
Finalmente, gostaria de terminar esse pequeno texto, trazendo um trecho da pesquisadora e mãe, Siebert (1998) comentando a respeito do que chamou “viagem na infância”. A autora fez um depoimento a respeito do segundo filho que expressa a gratificante experiência materna em relação a essa situação:
É como se a convivência cotidiana com a primeira criança em um embate doce e tenaz ao mesmo tempo – tivesse rachado, roído e enchido de fendas as arquiteturas simbólicas e os materiais do meu universo adulto muito bem feito e, aparentemente, meu Deus, desabar toda a estrutura. Agora estou cansada, no meio dos cacos – mas sinto-me mais viva, menos definida, com uma identidade mais fluida: a criança que existe dentro de mim, graças à cumplicidade com os meus filhos, pôde rebelar-se e invadir as minhas sólidas couraças adultas. P.77
Quis terminar esse texto com esse depoimento para lembrar da imensurável experiência e aventura que é ter filhos, e da importância de ter abertura para o imprevisível constante.
Creio que a relação entre adultos e crianças sofreu várias mudanças e que os estudos a esse respeito têm contribuído para encontrarmos caminhos melhores na construção de relacionamentos mais respeitosos e saudáveis.
REFERÊNCIAS
SIEBERT, Renate. O adulto frente à criança: ao mesmo tempo igual e diferente. In BONDIOLI, Anna. Manual de Educação Infantil: de 0 a 3 anos – uma abordagem reflexiva. Porto Alegre: Artmed, 1998.
MILLER, Karen. Educação Infantil como lidar com situações difíceis. Porto Alegre: Artmed, 2008